Na entrega da semana passada falamos da inovação como alavanca para manter a relevância da nossa carreira profissional, e para isso eu fiz a sugestão de iniciar o mapeamento das propostas de valor ou atividades que estão servindo a esse propósito, as que deixaram de ser valiosas e as iniciativas de inovação que podem gerar novas propostas para revigorar a relevância da carreira.
Não podemos pensar em qualquer inovação na nossa carreira sem pensar em primeiro lugar em nós mesmos, pois somos nós o nosso recurso principal.
As organizações procuram atrair recursos de todo o tipo: humanos, materiais, intangíveis e financeiros; daí devemos conhecer claramente quem somos e o que possuímos para assim começar o desenho da articulação da nossa pessoa como um negócio.
Para pensar em quem nós somos devemos compreender quais são os nossos interesses, pois são eles que irão garantir a motivação necessária para a inovação e a satisfação na carreira.
Além dos nossos interesses, habilidades e competências serão as ferramentas que temos e vamos usar na construção da nossa proposta de valor.
As habilidades são inatas, aquelas coisas que fazemos naturalmente sem maior esforço como, por exemplo, pensamento lateral, raciocínio lógico, aptidão na escrita. As competências foram adquiridas ou aprendidas por meio do estudo, treino e prática, assim como análise matemática, programação de software ou medicina.
Finalmente tem um terceiro fator importante na definição de quem somos, é a personalidade, que em alguns acasos pode ser descrita com adjetivos, como boa inteligência emocional, paciente, com equilíbrio emocional, com resiliência, etc.
Dificilmente o emprego dos sonhos será achado, mas poderá ser criado a partir do autoconhecimento e do alinhamento das aspirações pessoais e de carreira.
Dick Bolles, autor de What Color is Your Parachte? O guia de carreira best seller por mais de 40 anos, conta que a maior parte das pessoas falha ao procurar seu emprego dos sonhos, não por falta de informação sobre o mercado do trabalho, mas por falta de informação sobre elas mesmas.
Esse processo de reflexão raramente acontece sem um evento que nos empurre nessa direção, muitas vezes ocorre a partir de uma crise, como perder o emprego ou um forte sentimento de insatisfação. Mas, ainda assim, podemos nos aprofundar nessa reflexão conscientemente para evitar esses momentos.
O “mundo do trabalho” não é algo diferente ou isolado do resto da nossa vida, pelo contrário, é apenas uma fração dela. Dito isso, para reconhecer quais são os nossos interesses, os que farão sentido a nossa carreira, precisamos entender quais são as nossas motivações além do trabalho.
É um processo pessoal, não tem um único caminho, pode ser feito sozinho ou com a ajuda profissional. Mas ainda que seja com a orientação de um profissional, é um processo individual e que geralmente não é fácil.
Descobrir o que valoramos na nossa vida é o primeiro passo na caminhada de reflexão e autoconhecimento.
Eu recomendo uma ferramenta muito simples, mas não por isso menos eficaz, muito utilizada pelos conselheiros vocacionais: a roda da vida.
Há diferentes versões da roda, que podem apresentar grupos de temas ou valores diferentes, porém, o funcionamento é o mesmo. Um círculo fatiado em 8 pedaços, como se fosse uma pizza, cada fatia representa um tema de interesse da sua vida.
O vértice é a satisfação zero e uma fatia preenchida completamente significa satisfação plena; no meio termo estão os infinitos graus de nível de satisfação. Se sua roda esta completa significa que sente plenitude em todos os aspectos da vida. Mas se apresenta interesses, parcialmente cobertos, como foi na época no meu caso, revela que tem interesses, necessidades ou valores que precisam de uma maior atenção.
Se o mundo do trabalho é uma fração da nossa vida devemos reconhecer que é uma porção muito importante e não poucas vezes representa a maior parte do nosso tempo ativo. Se a nossa roda está sem equilibro, com aspectos importantes para nós que foram descuidados, como é que o nosso trabalho está ajudando ou atrapalhando para nos aproximarmos do sentimento de plena satisfação?
Há muito tempo dizem para você: faça o que você ama. Parece simples, mas o verdadeiro desafio é como fazer isso em um mundo que não foi criado para ajudá-lo. A maioria de nós realmente não sabe a verdade sobre o que amamos – o que nos envolve e nos faz prosperar – e nossos locais de trabalho, empregos, escolas, até mesmo nossos pais, estão focados em nos conformar.” Marcus Buckingham, 2022
Quem eu sou? É uma pergunta bem complexa de responder, pois a gente é uma construção em que foram se combinando os interesses internos e externos.
Quando somos crianças e adolescentes, grande parte do que fazemos é fortemente motivada pelo que a gente ama, aquilo que nos apaixona. A maioria das vezes fazer isso parece muito fácil e natural, pois temos habilidade para isso. Mas, na medida em que vamos crescendo, recebemos a influência de fatores externos, que são as expectativas dos outros, especialmente nas decisões que irão formando nossa carreira profissional.
Família, professores e colegas com frequência nos induzem a tomar decisões baseadas em salário, respeitabilidade, estabilidade, entre outros atributos normalmente reconhecidos como os de uma carreira de sucesso.
A insatisfação pode surgir ou aumentar quando fazemos próprias as expectativas dos outros, apenas por uma necessidade de aceitação social. Para fazer sentido o desenho deste nosso modelo de negócio pessoal é importante fazer essa reflexão, ter a clareza sobre quais são realmente nossas motivações, aquilo que nos faz vibrar, para assim construir a nossa proposta de valor com o melhor de nós mesmos, a nossa melhor versão.
O resgate dos nossos interesses e valores, assim como o reconhecimento das nossas habilidades, aquilo no que naturalmente somos bons, deve se complementar com tudo aquilo que fomos adquirindo na nossa vida, no estudo, na experiência e na prática em que desenvolvemos as nossas competências.
A maioria das pessoas quando são perguntadas pelas suas competências, o primeiro e muitas vezes o único que fala, são os conhecimentos formais, as certificações com que foram se formando no tempo. Estes aprendizados claramente são parte das nossas competências, mas é uma parte muito menor.
Pare para pensar um minuto na linha da sua vida, ela se constrói com momentos, os quais cada um deles vai deixando uma marca, e a partir dessas marcas nossas vidas vão mudando o rumo, às vezes muito pouco, outras de um jeito mais forte e significativo.
Cada momento, cada decisão que tomamos, seja para reafirmar o que fazemos ou para mudar algum aspecto das nossas vidas, gera aprendizados que ficam em nós de um jeito consciente ou inconsciente, moldando nossas ações futuras.
Gostaria de propor um exercício, em uma folha de papel em branco, desenhe uma linha horizontal no meio dela e na metade superior, coloque pontos de eventos específicos da sua vida que foram bons organizados cronologicamente, aqueles onde teve sentimentos de satisfação; os melhores mais acima no papel, o primeiro emprego, primeiro carro, formatura, primeiro filho, a viagem desejada etc.
Do mesmo jeito, na parte inferior, coloque os eventos ruins, que geraram sentimentos de tristeza, frustração, temor, ansiedade. Quanto piores foram, mais abaixo no papel. Agora com uma linha contínua, conecte todos os pontos, bons e ruis, em ordem cronológica.
Dessa maneira terá, frente a seus olhos, a linha da sua vida, com seus momentos altos e baixos. Para os momentos mais altos e mais baixos pense o que mudou em você, como a experiência fez crescer, o que aprendeu e que novas práticas incorporaram. Planejamento, organização, análise e valoração de riscos, liderança, empatia, resiliência, escuta ativa, entre muitas outras competências são desenvolvidas e adquiridas nesses momentos marcantes da vida.
Nesses momentos também aflora a nossa personalidade.
John L. Holland foi um psicólogo norte-americano, que apresentou a teoria de que os interesses vocacionais é uma expressão da personalidade das pessoas, o que na atualidade nos parece óbvio, foi testado por muitos outros pesquisadores nas últimas décadas e, junto com outras teorias de Holland, formam a base para o inventário de interesses vocacionais utilizado nas classificações e publicações do United States Department of Labor.
Ele descreve um universo de interesses vocacionais nas pessoas: o mundo dos dados e fatos, o mundo das ideias e emoções, o mundo material e das coisas e o mundo do social e as pessoas.
Para ele são uma expressão da personalidade, e definiu seis diferentes tendências de personalidade. Cada pessoa é única e com uma combinação única de várias tendências, na qual algumas simplesmente são mais prevalentes que outras.
Esses são ambientes diferentes nos quais sentimos maior ou menor conforto para estar, fazer, criar, trabalhar. Na medida em que cada um de nós se coloca nesse quadro teremos uma classificação de personalidade, como fica exposto no gráfico.
Quem eu sou, vai ser uma amálgama entre os nossos interesses e valores, nossas habilidades e competências, e a nossa personalidade.
A tríade será o conjunto dos nossos recursos para a construção da proposta de valor, a definição do como irá ajudar às pessoas na consecução do seu progresso.
Coloque então tudo isso no papel. Quais são seus interesses e valores, quais são suas habilidades e suas competências, junto com seus traços de personalidade.
Tudo isso é o quem você é, e o que você possui. O trabalho dos seus sonhos deve fazer sentido com a interseção dos círculos e se construir partindo desse autoconhecimento
As iniciativas mapeadas com potencial de manter a relevância da nossa carreira devem estar alavancadas pela tríade, e de alguma maneira atravessadas por o nosso propósito.
A definição do propósito atravessará o que faremos, como o faremos e a quem ajudaremos fazendo isso.
Às vezes temos certa miopia para descobrir o nosso propósito, e falo isso porque todos nós temos de certa forma, uma ideia da mudança que desejaríamos trazer ao mundo ou como gostaríamos de ser lembrados quando não estivermos mais nele.
Mas o dia a dia das nossas atividades nos distrai e o oculta, deixando-o difuso e meio esquecido.
Para facilitar a tarefa de colocar no papel vou lhes propor um exercício. Em primeiro lugar, imagine que é financeiramente independente para fazer escolhas sem importar se elas terão ou não ganho econômico.
Feito isso escreva as quatro atividades que você mais gosta de fazer. Agora descreva várias pessoas ou grupos de pessoas com as quais você gostaria de compartilhar o seu tempo. Finalmente, escreva como você vai ajudar outras pessoas.
Agora deve unir em uma frase esses três elementos de maneira que fique claro a quem você ajuda, como as ajuda e quais atividades escolheu para ajuda-las porque sente prazer em fazer.
Pronto, já tem o seu rabisco do propósito. Qual é o meu propósito... da minha carreira?
Vou dar um exemplo pessoal, eu sinto prazer em educar, inspirar as pessoas, inovar em processos e liderar as pessoas em prol de um objetivo maior.
Inspiram-me as pessoas com novas ideias (visionários), os empreendedores, as que procuram resolver problemas (inconformistas), as pessoas com alegria de ter desafios (optimistas).
Acredito que o mentoring e uma forma de ajudar, assim como criar ferramentas (desenvolver) fáceis de usar, estudar as causas dos problemas, e facilitar a sustentabilidade do planeta.
Embora as palavras soltas não pareçam conectar naturalmente, por trás delas posso ver como se desenha o propósito do meu modelo de negocio:
Aumentar a sustentabilidade na criação de valor com processos mais eficientes, convenientes e com melhores experiências, através da inovação. Facilitando o trabalho das pessoas na criação e entrega de valor, mediante a otimização de abordagens e ferramentas e a redução do tempo de aprendizado e aplicação.
Fica evidente que a definição e declaração do propósito são fundamentais para o desenho ou redesenho, se fosse o caso, do seu modelo de negócio pessoal.
O propósito pode mudar com o decorrer do tempo. As diferentes fases da vida fazem com que os nossos interesses mudem, o que gostamos de fazer mude, as pessoas com quem gostaríamos de nos relacionar mudem. Então faz sentido revisar o proposito mobilizador quando sentimos algum grau de insatisfação com o que estamos fazendo ou para quem estamos fazendo.
Até aqui falamos da importância de nos conhecer, não menos importante para a relevância do nossa carreira é conhecer a quem ajudamos com as propostas de valor atuais e a quem podemos ajudar com a iniciativas de inovação: nossos clientes. Esse vai ser o tema da próxima entrega.
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