
Nos últimos tempos, temos visto com cada vez mais frequência discussões sobre como a tecnologia vem impactando o mundo do trabalho.
Dois eventos foram determinantes para incentivar essa discussão. Por um lado, a pandemia de COVID-19 ressignificou muitos aspectos do trabalho, principalmente em termos de onde o trabalho é realizado, quando é realizado e como é feito. Isso deixou em evidência processos completos nas empresas, especialmente nas grandes, que perderam sua relevância. Paralelamente, surgiram novos problemas e desafios que exigiam novas atividades e habilidades para serem resolvidos.
O segundo evento foi a ascensão da Inteligência Artificial Generativa no cotidiano das pessoas de forma quase massiva, pelo menos em termos de tópicos em matérias, vídeos, posts e podcasts. Isso foi visto como a última barreira que a tecnologia superou para eliminar o fator humano na criação de valor. A inteligência humana parecia ser a última fronteira inconquistável pelas máquinas.
No entanto, se olharmos historicamente, podemos ver que a tecnologia sempre teve um impacto no mundo do trabalho humano. A invenção do arado revolucionou a agricultura, o tear, a máquina a vapor, os carros, o computador, etc., sempre geraram disrupções que impactaram de diferentes formas nas atividades humanas.
A principal característica das tecnologias atuais é a exponencialidade, ou seja, elas impactam cada vez mais pessoas e de forma cada vez mais rápida. Isso gera um senso de urgência no tema que é real, mas não necessariamente apocalíptico.
O importante, então, é pensar e discutir como preparamos nossas sociedades, organizações e empresas para essas mudanças, já que assim como no passado, no presente e no futuro, a tecnologia vai se impor nas formas como os humanos criam valor.
Voltando ao básico, o que é o trabalho? Eu quero apresentar aqui uma abordagem simples, mas poderosa, que Gary Bolles, especialista em tecnologia, futuro do trabalho e habilidades do século XXI, descreveu em seu livro "The Next Rules of Work". Ele afirma que o trabalho tem três componentes. O primeiro é um problema a ser resolvido, que pode ser complexo ou simples. O segundo são as atividades, as tarefas, o passo a passo para resolver o problema, o que nas empresas chamamos de processos. Finalmente, como terceiro componente, temos as habilidades humanas necessárias para executar essas tarefas. Assim, o trabalho pode ser descrito como habilidades humanas executando um conjunto de tarefas para resolver um problema.
Quando pensamos no trabalho apenas em termos de processo, ou seja, nas tarefas a serem feitas, muitas vezes perdemos de vista o significado completo do trabalho. Paradoxalmente, a história tem nos mostrado que é neste componente do trabalho que as tecnologias têm tido maior impacto na automatização, pois é nas atividades onde o potencial disruptivo da tecnologia se mostra de forma mais poderosa.
Embora a tecnologia redefina os processos, os outros dois componentes do trabalho sempre estarão presentes. Sempre haverá novos problemas a serem resolvidos, e sempre serão necessárias novas habilidades humanas a serem desenvolvidas.
Pascal Finette, empreendedor, autor e palestrante que se concentra em inovação e tecnologia, gosta de dizer que o futuro é invisível, mas que ele já aconteceu, só que nós ainda não podemos ver. No entanto, se prestarmos atenção, podemos descobrir sinais que nos dão pistas sobre o futuro. Eu acredito que a principal característica do futuro é que ele está sempre mudando, é flexível e é influenciado pelo passado e pelo presente. Essa flexibilidade é uma característica do futuro do trabalho.
No início deste artigo, falei sobre as diferentes facetas do trabalho. Se pensarmos nas seis perguntas que o grande filósofo grego Aristóteles fazia quando enfrentava um problema, podemos descrever as seis diferentes facetas do trabalho humano.
A primeira pergunta é o "o quê?" que representa os projetos que executamos ou os problemas que tentamos resolver, que podem ser diversos e variados.
A segunda é o "quando?" que representa a frequência da atividade, que pode variar de diária a semanal ou ocasional, e também o momento em que ocorre, como de manhã ou de madrugada.
O terceiro aspecto é o "onde?" que representa o local onde as atividades são realizadas, seja um escritório, em casa, em um co-working, na natureza, etc.
O quarto é o "quem?" que envolve todas as relações interpessoais necessárias para realizar a tarefa, como uma equipe, fornecedores, a comunidade, podendo ser local ou distribuído.
A quinta faceta do trabalho é o "como?" que indica o papel que desempenhamos na execução das atividades, podendo fazer parte de uma equipe, ser o líder da equipe, um consultor, um patrocinador, e o trabalho pode ser temporário, freelancer ou permanente.
Finalmente, a sexta faceta é o "por quê?" que dá significado e propósito à atividade, seja pelo pagamento, por um propósito maior, por amor ao que se faz, ou porque é uma necessidade do mundo, entre outros motivos.
Se pensarmos nessas seis facetas do trabalho, podemos perceber que os sinais apontam cada vez mais fortemente que o futuro do trabalho é a flexibilidade. Portanto, por um lado podemos estar resolvendo problemas de manhã em um escritório, fazendo parte de uma equipe para receber um bônus e por outro nos reunindo semanalmente em um co-working com colegas para orientá-los na criação de novas ferramentas para facilitar projetos, porque é algo que amamos fazer.
Essa flexibilidade no futuro do trabalho nos leva a pensar quais habilidades humanas devemos desenvolver para nos preparar melhor para esse futuro.
Normalmente, falamos em dois tipos de habilidades. Por um lado, as hard skills, que são o conjunto de conhecimentos necessários para resolver problemas, mas também existem outras habilidades que normalmente chamamos de soft skills, que Gary Bolles assertivamente indica que não têm nada de "suaves", pois têm o poder de resolver problemas complexos que nunca antes enfrentamos. Ele as renomeia como flex skills, dentro das quais destaca a habilidade de resolver problemas, a adaptabilidade, a criatividade e a empatia.
As hard skills são o conhecimento fundamental, e as flex skills são a ponte que as conecta e articula, sem as quais é impossível resolver problemas. Em conjunto, representam as T-Skills, como eram chamadas na IBM. Os profissionais que possuem o T-Shape, ou seja, a capacidade de combinar ambos, estão mais bem preparados para a flexibilidade do futuro do trabalho.
Voltando às 4 flex-skills que Bolles apresenta como fundamentais, por que elas adquirem essa importância? Lembra que definimos o trabalho como as habilidades humanas que executam um conjunto de atividades para resolver problemas? Pois bem, começando com a habilidade de resolver problemas, o maior desafio é entender qual é o verdadeiro problema que estamos tentando resolver, e ter a mentalidade para combinar informações e dados para obter insights que revelem um novo ponto de vista para abordar o problema.
No entanto, para isso, é necessário ter a capacidade de se colocar no lugar das necessidades dos clientes, das pessoas que são afetadas pelo problema, e enxergar o problema sob a perspectiva delas, a fim de usar a criatividade para conceber novas formas de resolvê-lo. É importante ter a capacidade de adaptar as ideias repetidamente até que façam sentido e, assim, construir um MVP (produto mínimo viável) que possa ser escalado com interações mais ricas.
Voltando novamente ao início deste artigo, para responder à pergunta de como preparamos nossas sociedades, organizações e empresas para esse futuro do trabalho flexível e impactado pela tecnologia, Gary Bolles também nos fornece algumas orientações. A primeira provocação é que devemos redefinir os papéis no trabalho com base nas habilidades e nos problemas a serem resolvidos, abandonando o modelo tradicional baseado em processos ou tarefas. A segunda é comprometer-se com o desenvolvimento das habilidades humanas como forma de garantir a adaptabilidade aos desafios apresentados pela tecnologia, incluindo a automação de processos, mas principalmente para ter a capacidade de resolver novos problemas que desafiarão a humanidade no futuro.
Para tornar isso possível, é fundamental fazer um inventário das habilidades existentes nas organizações atualmente e identificar quais serão necessárias no futuro. Com base nisso, criar processos de aprendizado contínuo de ferramentas, técnicas e tecnologias. Capacitar as equipes para que cada uma defina sua abordagem para o trabalho flexível e ensinar aos trabalhadores a conhecer e adaptar suas habilidades, incentivando a interseção delas.
Finalmente, treinar os líderes de equipe para se comprometerem com o desenvolvimento contínuo da equipe e desenvolver na equipe a mentalidade e o conjunto de habilidades necessários para enfrentar os desafios do futuro.
À medida que nos aproximamos do futuro do trabalho, é crucial estarmos preparados para as mudanças que a tecnologia exponencial trará. As habilidades humanas, como a capacidade de resolver problemas, a adaptabilidade, a criatividade e a empatia, são essenciais nessa jornada.
Agora, como você enxerga o futuro do trabalho? Quais habilidades você considera mais importantes? Como as tecnologias exponenciais estão afetando sua indústria ou profissão?
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Vamos juntos criar um diálogo enriquecedor sobre o futuro do trabalho e as habilidades necessárias para enfrentá-lo. Sua voz é importante nesta conversa!
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