"Os clientes não compram produtos o serviços, eles os contratam para ajuda-lhes a fazer algum trabalho, que eles mesmos não conseguem fazer sozinhos" - Job to be done theory
Nos meus mais de 15 anos trabalhando em processos de qualidade na indústria, sempre tive claro que o conceito de satisfação estava fortemente atrelado a poder interpretar a voz dos clientes e traduzi-la em termos dos processos de desenho e fabricação dos produtos. Claro que nada disso é novo pois existem modelos de Quality Funtion Deployment há pelo menos 50 anos, inclusive eu mesmo fiz uma colaboração neste sentido através de um modelo que utiliza a engenharia estatística para validar as correlações entre as Criticals to Quality e as variáveis e os níveis de padronização dos processos. Esse modelo tive a oportunidade de apresentar em 2015 no WCQI da Associação Americana de Qualidade.
Não deixa de me preocupar o fato que embora os processos sejam naturalmente robustos, com variáveis e padrões fortemente estudados e definidos, ainda acontecem a diário falhas e desvios que geram perdas nos processos industriais, reclamações de clientes e consumidores, e nos casos de maior gravidade crises de segurança que determinam recalls de produtos, com impactos destrutivos na credibilidade e confiança nas marcas.
Como é que isto pode acontecer? Sempre que olhamos as causas raiz por trás de algum destes eventos, podemos ver claramente uma sucessão de decisões erradas, motivadas geralmente pela procura de mitigar os impactos económicos, mas que só conseguem arcar com maiores custos o ciclo completo da cadeia de valor. Aprofundando ainda mais o analise, a maioria das vezes, estas decisões estão movidas pelo desconhecimento do o porque o cliente está escolhendo o produto e não outro.
Com certeza temos escutado a máxima de que devemos colocar o cliente no centro das nossas decisões, mas como fazer que esta frase seja uma realidade vivida nas empresas e não um mero enunciado que muitas vezes se parece com abraçar um árvores? Vou a apresentar um gráfico, o qual me foi de muita utilidade para construir uma estratégia de qualidade, que terminou por se mostrar de muito sucesso na pratica permitindo reduções significativas nas falhas e reclamações de clientes.
Quando entendemos que os clientes adquirem um produto para realizar por eles um trabalho que no poderiam realizar de outro modo, entendemos que o resultado do processo de desenho e produção deve garantir esse trabalho a ser feito. Neste ponto é quando do conjunto de características desse produto apenas algumas serão relevantes e indispensáveis para essa entrega de valor, por definição estas são as características criticas de qualidade (CTQ em inglês). O nível de satisfação do cliente depende diretamente da melhor performance destas características.
A ideia do trabalho a ser feito é bem diferente do conceito tradicional de necessidade, porque requer um grau bem maior de especificidade daquilo que o cliente esta tentando resolver. Os trabalhos nunca estão relacionados somente com as dimensões funcionais, tem dimensões sociais e emocionais importantes, que podem ser até mais influentes do que as funcionais. Como os trabalhos têm lugar no fluxo da vida cotidiana, as circunstancias nas quais são utilizados é essencial para sua definição.
O trabalho a ser feito é o que chamamos a função de qualidade de um produto ou serviço. Por trás de todo produto existe uma promessa de entrega de valor atrelada à performance da função de qualidade. Se a promessa for maior que a experiência real o cliente terá insatisfação por não conseguir realizar o trabalho necessário. Se experiência iguala a promessa de entrega, então o cliente vai se sentir satisfeito com o produto. Já se a experiência por algum motivo supera a promessa de entrega de valor do produto, o cliente vai se ver surpreendido favoravelmente, o wow!. Mas este momento é único pois para o futuro essa performance vai ser o novo patamar prometido.
Conhecer claramente o trabalho a ser feito pelo produto nas dadas circunstancias de utilização deve ser o foco do esforço do desenho, e ali aparecem as primeiras decisões chaves, garantir que o produto esteja desenhado para entregar a função. Muitas vezes aqui começa a sucessão de erros que terminam com um produto que poderia ter sido bom mas fica no caminho porque não atende o trabalho que deve ser feito. Vamos supor que o desenho teve claro estes pontos e o produto tem todo o potencial de ser bem sucedido, de fato é na maioria das vezes. Porque no é sempre assim?
Se a experiência depende da performance da função da qualidade, ou seja da proporção de acertos na entrega da promessa de valor, podemos dizer que esta performance é função da estabilidade dos processos. Processos mais estáveis, são aqueles que são reproduzíveis sob as mesmas condições, onde só atuam causas comuns de variação e esta variação acontece apenas entre limites, dentro dos quais a performance da função de qualidade esta garantida.
Nem todas as variáveis de um processo tem o mesmo nível de impacto sobre a performance futura, a esmagadora maioria das vezes apenas umas poucas irão definir o sucesso o fracasso do produto, em termos estatísticos podemos afirmar que estas variáveis tem uma forte correlação com a característica critica de qualidade. Em definitiva isto facilita o trabalho do time de produção, reduze o custo de qualidade, e faz com que a estratégia deva se centrar em garantir esta estabilidade.
Uma vez descobertas as variáveis relevantes para o produto, a chave do sucesso esta na definição dos padrões que irão garantir a estabilidade das mesmas, logicamente como mínimo teremos que cobrir as 4Ms, neste processo de construção de padrões, abarcando o conhecimento, os equipamentos, os materiais e os métodos e ferramentas que definem o processo. O nível de padronização é muito relevante, e procurar padrões que tenham baixa ou nula dependência das pessoas é uma estratégia que deve ser prioritária. Meras capacitações, procedimentos bem escritos e inspeções exaustivas, embora necessários, são níveis de padronização muito fracos para garantir o 100% de performance das características criticas de qualidade. Isto porque o fator humano esta presente, e no atuar do dia a dia, os humanos tomamos decisões, e muitas vezes podem estar erradas.
Mas na maioria das vezes um nível de padronização humano-dependente é o que tecnologicamente é fatível e economicamente viável. Aqui é onde entra em jogo a cultura, representada por comportamentos desejados e não tolerados, definidos para cada uma das pessoas que integram a cadeia de valor.
Quais são as decisões certas? Como devem se priorizar as atividades? quais nunca devem se deixar de fazer? que deve ser comunicado sempre? que deve ser escutado sempre? que eventos devem ser falados? o que no deve ser ocultado?
Ter claramente definido para cada uma das pessoas estes pontos, junto com um ambiente que tolera o erro como uma forma de aprendizado, que facilita a comunicação aberta e honesta, e estabelece um programa de recompensas e correções para todos, torna-se chave em qualquer estratégia de qualidade que vise colocar o cliente no centro das decisões.
A pirâmide da satisfação pode explicar a relação entre o a Voz do Cliente e a Voz do Processo
Da mesma forma que a pirâmide pode nos auxiliar na construção de uma estratégia de qualidade, uma interpretação derivada desta pode nos levar a definir sobre quais processos deveremos priorizar o nosso trabalho.
Consideremos a experiência ruim de um cliente, seja externo o interno, dimensionado como reclamações, produtos não conformes, retrabalhos ou custos de não qualidade. Esta experiência ruim é uma função da taxa de falhas ou não conformidades das características criticas de qualidade, as que a sua vez são uma função inversa do Cpk das variáveis de alta correlação o que vai ser função do nível de padronização e da disciplina das pessoas.
Se para cada uma destas etapas podemos estabelecer métricas e medi-las, então poderemos priorizar quais são os processos mais críticos, estabelecer objetivos para cada etapa, e fazer o monitoramento preventivo deles.
O conceito de pirâmide nos permite pensar também, que para cada produto/trabalho a ser feito, as pirâmides podem ser mais esticadas ou mais aplanadas. Um trabalho a ser feito que permite uma maior variação na performance mas mantendo um mesmo nível de satisfação, vais ser menos crítico que um outro que permite uma variação menor. Desta forma a estratégia também vai poder se valer desta ideia para destinar maiores recursos a produtos/trabalhos a ser feitos mais críticos.
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